Faísca sentia o coração acelerado. O vento batendo em seu rosto lhe causava uma sensação boa. Bolinha, percebendo o estado da garota, perguntou:
- Faísca, por um acaso você se esqueceu do que vamos fazer?
- Não, só tô curtindo o vento. – Respondeu Stefani.
- Sim, você esqueceu. – Falou Tatiane.
Faísca olhou a companheira, que estava com um semblante extremamente sério no rosto. Stefani permaneceu calada e Bolinha continuou:
- Isso não é um jogo. Não tem save para recuperar. Se der Game Over, não tem como recomeçar. E, além disso, você pode ter que sujar as suas mãos.
As referências a games não assustaram Stefani, mas a parte de sujar as mãos fez a garota ficar branca. Bolinha então retomou a fala:
- Esses caras tão matando pessoas… Não se assuste se uma de nós tiver que fazer o mesmo com um deles.
- Mas, na visão da Laura, isso pareceu errado. – Falou Stefani.
- Eu não disse que é certo. A questão é necessidade. E chame a Laura de Informante… Não conseguimos pensar em nada melhor. – Explicou Bolinha.
Stefani não pensou que matar poderia ser necessário e isso começou a incomodá-la. Tatiane percebeu e perguntou se ela queria desistir.
Faísca pensou em pedir para voltar mas, quando pensou nos pais das vítimas, imaginou o que seria dos seus próprios pais se ela fosse uma das vítimas. Lembrou-se de Ricardo, que abriu mão de muita coisa para esperá-la. Ela sabia que também podia morrer ali, mas morrer lutando para proteger parecia menos ruim do que morrer sentada em uma mesa com uma bala no peito.
De um instante para o outro, o medo de Stefani se transformou em uma convicção tão forte que Tatiane podia sentir.
Elas passaram por sobre algumas avenidas, indo para uma região industrial da cidade. Nessa região, além de empresas, havia muitos galpões usados como depósitos.
Bolinha aterrissou em um destes, que ficava relativamente próximo a uma rodovia.
A expressão de dúvida no rosto de Stefani fez Tatiane explicar:
- Faísca, esse lugar é um depósito da FreshCola. O lugar foi tomado por um bando bem armado. Nós vamos espionar.
Faísca ficou parada, vendo Bolinha caminhar cautelosamente por cima das telhas do galpão. As telhas eram bem antigas e sujas. Em vários pontos era possível perceber sujeira de pombos.
Tatiane se agachou, tentando observar melhor uma junção de telhas. Em seguida, pediu para a companheira ir até lá, mas pediu para que ela sempre pisasse onde estavam os parafusos, nas junções das telhas.
Os primeiros passos foram certeiros, só que em lugares errados, fazendo as telhas racharem e estalarem.
Tatiane começou a gesticular como uma maluca, mandando Stefani parar, mas ela entendeu errado e saiu correndo, rachando várias telhas e fazendo um barulho razoável, até que chegou onde Tatiane estava.
Bolinha abraçou Faísca, colocou os lábios em seu ouvido que não estava com o comunicador e começou a usar todo o arsenal de palavrões, xingamentos e ofensas que ela sabia e conseguia criar.
As duas ficaram caladas, para ver se escutavam algo, mas nada era ouvido por de baixo das telhas.
Tatiane usou a habilidade de sentir a água, para perceber o posicionamento das pessoas do lado de dentro do galpão.
Além das milhares de garrafas e latas de diferentes tamanhos, ela podia perceber mais de cem pessoas, a grande maioria, parecia estar sentada, com as mão em uma posição que sugeria que estavam amarradas.
Bolinha conseguiu contar, 19 homens que andavam livremente, que provavelmente eram os bandidos.
Tatiane perguntou se Stefani estava praticando a habilidade de sentir a eletricidade ao redor. A garota respondeu que sim, que fazia isso direto em casa. Ela também contou que tinha aprendido a perceber o metal, mas tinha que se concentrar para isso.
Bolinha pediu para que Faísca falasse se a energia do lugar estava desligada. O que ela respondeu prontamente, dizendo que haviam poucos focos de eletricidade no local, e que provavelmente eram comunicadores, celulares e afins.
Tatiane pensou em bombas, mas Stefani duvidou um pouco dessa possibilidade.
Bolinha agora queria que Faísca sentisse o metal ali dentro.
Stefani demorou mais de cinco minutos para começar a descrever a estrutura do local, que não era complexa.
A garota contou que na entrada, havia duas portas bem grandes, por baixo das telhas, várias vigas de metal, que deixam quadrados de telhas a vista. A garota falou que elas estavam em cima de um destes.
Stefani, também sentiu alguns veículos, que deduziu serem empilhadeiras, além de mesas, computadores, e uma grande quantidade de armas.
Bolinha informou que aquele lugar tinha uma pilha de garrafas, que aparentavam estar em caixas, e pediu para Faísca tentar desparafusar as telhas em volta para que elas pudessem ser movidas.
Stefani demorou, mas fez, arrancou parafusos o suficiente para que uma telha pudesse ser retirada tranquilamente.
Elas viram que por baixo da telha, bem próxima ao teto, havia caixas com pequenas garrafas de vidro, e que o conjunto de caixas permitia que as duas ficassem deitas sem problemas.
Stefani se abrasou a Tatiane e as duas desceram voando. A garota arrumou a telha para tentar esconder o buraco.
Com calma Bolinha as colocou deitadas sobre as caixas.
Faísca, ficou do lado das caixas mais próximo ao corredor, por que como ela tinha menos peito que a companheira, ficava com as costas mais baixas.
O corredor a esquerda de Stefani dava diretamente para os grandes portões da entrada, que estavam fechados.
Vários homens e mulheres estavam sentados em grupos, amarrados uns aos outros. Eles estavam mais ao fundo, considerando os grandes portões como frente.
Apenas um homem branco, que até aparentava ser forte, estava amarrado, sentado sozinho no meio dos bandidos, que pareciam usar uma espécie de padrão de roupas.
Todos usavam tênis, calça jeans ou de couro, jaquetas, e bala-clavas pretas. Não havia um padrão de cor, nas peças de roupa, apenas as bala-clavas que eram iguais.
Na frente de uma larga e alta pilha de garrafas pet de três litros, embaladas em pacotes de seis, estavam cinco homens, dois encostados na pilha e outros três encostados a uma empilhadeira oposta a pilha de garrafas.
Então, sem aviso, algumas garrafas da parte mais baixa da pilha estouraram, fazendo vários fardos tombarem para cima dos cinco homens.
Os dois homens que estavam encostados na pilha, caíram, com alguns fardos caindo sobre eles.
Dos três homens que estavam encostados na empilhadeira, os dois que estavam nas laterais pularam e escaparam dos fardos que caiam e estouravam. O homem do meio se assustou, e pegou a arma instintivamente, sem tempo para escapar de um fardo que o atingiu certeiro na cabeça. O homem desmontou no chão e não levantou mais.
Um dos encapuzados se aproximou do companheiro caído, colocou o ouvido no peito do homem, e constatou que ele estava morto.
Nem era preciso escutar o coração, o homem havia caído com o pescoço numa posição muito estranha.
Stefani olhou para Tatiane que explicou que tinha feito as garrafas estourarem.
O encapuzado que havia escutado o coração do que havia morrido, começou a dar coronhadas no homem que estava amarrado no meio dos encapuzados, arrancando sangue dos lábios, supercílios, bochechas e nariz.
O homem que apanhava tentava dizer desesperadamente que eles deviam ligar o ar-condicionado.
Um encapuzado que lembrava a estrutura física do marido de Tatiane fez o agressor parar, e mandou dois comparsas irem ligar a energia apenas do ar-condicionado.
Eles levaram o corpo para junto dos reféns, no exato momento em que um caminhão de pequeno porte entrou no galpão.
O caminhão manobrou de forma a ficar com a cabine virada para os portões.
Havia apenas um homem dentro da cabine, ele também trajava uma bala-clava preta.
Ele abriu as portas do baú do caminhão, revelando dois homens trajando as mesmas roupas, só que estes usavam bala-clavas vermelhas.
Além destes dois, haviam dois reféns: um homem negro abraçado a uma câmera de TV, e uma repórter morena, que estava gravida, aparentando uns cinco meses de gestação.
A mulher estava sentada no colo de um dos homens de capuz vermelho, que estava sentado em uma poltrona, apontando uma arma para a barriga da mulher.
O câmera foi jogado para fora do caminhão junto de uma moto que era usada para transmissões rápidas.
Os capuzes pretos obrigaram o câmera a montar todo o equipamento, pois eles queriam transmitir uma mensagem ao vivo.
Enquanto o equipamento era montado, os capuzes vermelhos contavam que o motorista da moto havia lutado bem, mas que duas balas na cabeça o tinham feito desistir.
Quando tudo estava pronto, um dos homens de capuz preto sintonizou a emissora de TV que iria transmitir o pronunciamento do bandido, em um celular, e fez sinal de positivo, então o homem que estava com a repórter no colo começou a gritar:
- Autoridades e povo deste Brasil! Vou ser direto! Eu quero as Supermulheres ou atiro na barriga desta aqui!
A mulher começou a chorar implorando para ele não fazer isso. Mas sem se importar com as suplicas da refém o homem continuou:
- E se vocês pararem de me transmitir… Vou ter que descobrir como é estuprar uma gravida.
Um dos homens de capuz preto, disse que estupro era exagero. O outro homem de capuz vermelho, que estava fora do baú do caminhão, o calou com uma bala na cara.
O homem que estava com a repórter no colo, começou a apalpar um dos seios dela, com a mão que não estava usando para segurar a arma.
Tatiane pediu para Stefani tentar tirar a arma da mão do homem, usando a mesma técnica que tinha usado para desparafusar as telhas.
Faísca começou a tentar, mas tudo o que ela conseguiu era deslocar a arma.
O homem estava tão focado em torturar a mulher que nem ligava para o fato de a arma estar com vida própria.
Então a emissora tirou o evento do ar, e os homens de capuz vermelho começaram a rasgar as roupas dela.
O homem de capuz vermelho que estava de pé, puxou o câmera para dentro do baú, e o obrigou a chupar os seios da repórter. Porem o câmera se recusou.
Ele começou a ser agredido, mas não sedia as ordens dos homens.
Então pegaram uma garrafa de FreshCola de três litros, que ainda estava intacta, abriram, e enfiaram o gargalo da garrafa o mais fundo que conseguiam na boca do homem, tapando o nariz dele, para que ele sufocasse.
De tempos em tempos, eles tiravam a garrafa da boca do câmera e o obrigavam a mamar na repórter, mas ele não obedecia.
Então, o homem de capuz vermelho que estava com a repórter, mandou o outro de capuz vermelho violentar o câmera.
Enquanto o câmera era penetrado, o homem que estava com a repórter, se preparava para fazer o mesmo com ela, mas neste momento Faísca conseguiu tirar a arma da mão do capuz vermelho sentado na poltrona.
Bolinha começou a fazer pilhas de garrafas de vidro, latas e garrafas pet, voarem em direção aos homens de capuz preto.
Faísca atingia as latas com raios as fazendo explodirem.
O homem de capuz vermelho que violentava o câmera, se distraiu com tudo isso. O câmera se livrou do homem, e o derrubou do caminhão, pegando a arma que tinha caído da mão do homem que estava com a mulher.
O câmera olhou rapidamente para o homem que tinha a repórter no colo e gritou:
- Vai pro inferno, filho da puta!
O homem tombou para o lado na poltrona, com sangue se misturando ao vermelho do capuz.
Todos estavam atirando a esmo, pois na confissão de coisas voando e explodindo, ninguém tinha muita certeza de onde vinham os ataques.
O câmera, que tinha em mente derrubar os homens de capuz preto e o outro de vermelho, era bastante eficaz atingindo sem errar um após o outro.
Faísca errou uma lata, e seu raio acabou atingindo o outro capuz vermelho que tentava subir no baú do caminhão. O homem caiu no chão convulsionando.
Faísca começou a afastar as armas dos encapuzados caídos enquanto Bolinha terminava de nocautear os últimos dois que tinham ido arrumar o ar-condicionado.
Faísca libertou os reféns enquanto Bolinha ia até a repórter para ver se ela estava bem.
A mulher estava em choque, mas pelo que Bolinha podia perceber o bebê estava assustado, mas bem.
O câmera se aproximou de Bolinha com a arma apontada pera ela e perguntou:
- Qual é o objetivo de vocês?
- Proteger as pessoas de bem. – Respondeu Tatiane.
- Eu acredito. – Respondeu o câmera largando a arma.
Então todos os homens encapuzados foram amarrados e filmados enquanto eram desmascarados, e essa parte foi transmitida ao vivo pela TV.
Não demorou até que o lugar fosse cercado pela policia, que começou a levar os bandidos e verificar a integridade dos reféns, chamando unidades de resgate para socorre-los.
Um policial de cabelo branco se aproximou de Bolinha e Faísca e perguntou:
- Tá tendo uma tentativa de fuga no presidio, vocês podem ir para lá?
- Não vai nos prender? – Perguntou Bolinha.
- Depois a gente conversa sobre isso. – Falou o delegado.
- Já tem outras duas lá. – Contou Bolinha.