Apesar do medo, o feriado e o fim de semana haviam transcorrido sem grandes ocorrências.
Vagner havia saído mais cedo para trabalhar. Afinal, vários presos seriam liberados para o dia das mães.
O homem sabia que essa data certamente causaria dor à esposa e inventou uma desculpa qualquer para justificar a mudança no horário.
Tatiane usava uma camisola de seda rosa e se espreguiçava, rolando de um lado para o outro sobre a cama.
Então, ela ouviu a voz de Stefani saindo do comunicador que ela deixava sobre o baú de cabeceira da cama.
A mulher colocou o aparelho no ouvido, respondendo a saudação da garota, desejando bom dia.
Então Stefani pediu sugestões de presente para a mãe. Tatiane sentiu como se a mão de um gigante pegasse seu coração e apertasse. A garganta dela havia ficado seca e, na vez dela de responder, Tatiane disse não ter ideias, gaguejando.
Stefani perguntou se ela estava bem, mas Tatiane não queria responder. Ela só queria ficar deitada na cama, dormir e acordar dali uma semana.
Stefani desistiu de chamar Tatiane. Mas Leidiane não. O celular de Tatiane tocou e quando ela viu que o nome de Leidi aparecia na tela, atendeu a ligação e colocou a chamada no viva-voz:
- Fala… – Disse Tatiane com a voz embargada.
- Erm… Você tá bem? Quer que eu vá aí? – Perguntou Leidiane.
Depois de instantes de silêncio, Tatiane respondeu que queria ficar sozinha.
Leidiane lembrou Tatiane que Stefani não sabia do ocorrido e desligou, se oferecendo para qualquer coisa que a amiga precisasse.
Tatiane se levantou, foi até o banheiro da suíte, lavou o rosto e saiu do quarto.
O quarto dava para um corredor com mais duas portas e uma escada, que descia para o andar de baixo.
Uma dessas portas era o banheiro comum. A outra estava trancada há quatro meses. A última vez que aquela porta tinha sido aberta foi após o retorno da viagem de fim de ano.
Tatiane parou na frente da porta, bateu, pediu licença e pegou uma chave que ficava escondida em um buraco no batente.
Ao abrir a porta, um forte cheiro de mofo chegou às narinas de Tatiane, que foi até a janela e a abriu.
A claridade de um dia nublado iluminou o quarto, revelando paredes pintadas de azul claro, com adesivos de aviõezinhos, trenzinhos, bolas de futebol e animais sorridentes colados. Em uma das paredes estava um berço branco, com um mobile onde pássaros e aviões estavam parados olhando para os traseiros uns dos outros, esperando que um botão fosse apertado, lhes dando autorização para correr em um pega-pega sem fim.
Ao lado direito da porta, havia uma cômoda que também servia como trocador. Oposto ao berço, uns guarda roupas, e sob a janela, uma confortável poltrona para amamentação.
Tatiane se sentou na poltrona e começou a chorar, soluçando e gritando de raiva.
Ficar na poltrona estava doendo demais, pois aquele móvel jamais seria usado para a tarefa que havia sido concebido. Então ela se ajoelhou no chão começando a esmurrá-lo.
Como os ursinhos do tapete não reclamavam das agressões, ela se sentiu frustrada, desistindo, se deitando em posição fetal e caindo no sono.
Ela acordou com um barulho de motor e música de ninar tocada por algum instrumento metálico.
Quando ela levantou a cabeça e olhou na direção do barulho, viu o marido de pé, apoiado sobre a lateral do berço observando a brincadeira sem fim daquelas aves e aviões sorridentes.
Quando percebeu que a esposa havia acordado, Wagner se virou para ela e disse, com os olhos vermelhos e cheios de lágrimas:
- Tiago e Jessica se ofereceram para desmontar o quarto pra gente… Eles disseram que vai ser melhor.
Tatiane não queria se desfazer das coisas, mas aquilo tudo machucava demais. Coisas tão bonitas não podiam machucar, elas deviam fazer sorrir.
Tatiane acenou com a cabeça de leve, dando autorização para que o quarto fosse desmontado.
Wagner estendeu a mão para a mulher e a ajudou a levantar.
Antes de fechar a porta do quarto atrás de si, Tatiane olhou para o local e falou:
- Um dia eu vou encontrar o bandido que te tirou de mim… Eu vou fazê-lo sofrer… Até que ele implore para morrer…
Wagner se despediu da esposa e voltou para o serviço, pois as coisas na delegacia estavam tensas por causa do induto de dia das mães.
Tatiane tomou um banho, comeu algo e foi ajudar Leidiane a organizar uma nova loja. Assim se distrairia.
À tarde, Tiago falou de uma imprudência de Stefani para impedir um assalto ao ônibus em que ela estava. Apesar de Leidiane e Jessica acharem tudo muito engraçado, Tatiane não estava a fim de rir. Ela queria ficar em silêncio.
Na terça, Tiago e Jessica foram desmontar o quarto do falecido bebê, o que se mostrou mais doloroso do que o esperado; afinal, Tiago também havia perdido o sobrinho.
Havia sido combinado que tudo o que estava no quarto seria doado para um orfanato ou para uma família carente.
Na quarta, Wagner começou a pintar as paredes do quarto de branco. Ele estava apagando os sinais de que aquele local era para ter sido um quarto de criança.
Ainda na quarta à noite Wagner perguntou para a esposa se ela queria ir viajar no sábado à noite, para eles passarem o domingo longe dali.
Tatiane achou a ideia ótima. Eles escolheram a cidade mais pequena e pacata, que tinha vagas para hospedagem, e alugaram um chalé para passarem o domingo.
No sábado, Wagner e Tatiane foram até a casa de Stefani para dar os parabéns a Estela, pelo dia das mães.
Tatiane notou que Stefani a estava encarando e imaginou que assim que quando saísse dali a garota iria perguntar para alguém o que ela tinha.
Dito e feito. Quando já estavam na estrada, Leidiane avisou para Tatiane que Stefani estava preocupada com ele e contou que explicou as coisas para a garota.
Tatiane agradeceu, pois essa tarefa seria dolorosa para ela.
Quando eles chegaram ao chalé, a intenção era que tivessem uma noite romântica, mas ambos não estavam conseguindo se animar.
Eles acabaram dormindo e acordaram apenas no domingo.
Eles caminharam pela pequena cidade, sem rumo ou ideia do que fazer. Foram à Igreja, andaram em uma praça, praticamente rodaram a cidade até a hora do almoço.
Depois que almoçaram, voltaram a andar pela cidade, com a falsa desculpa de facilitar a digestão da comida.
Depois de andarem a cidade toda mais uma vez, eles voltaram para casa. Porém, antes de realmente irem para a residência, eles resolveram passar no cemitério para visitar o túmulo do filho.
O cemitério era um pouco antigo, onde os túmulos eram construções, das quais se tirava uma tampa para depositar os caixões de um lado ou do outro.
Eles se sentaram no túmulo sobre a parte onde o filho estava enterrado e ficaram ali parados.
Eles se lembraram que jamais tinham escolhido o nome do bebê. Então ali eles decidiram dar ao filho o nome de um anjo, Rafael.