Após sair galopando com seu cavalo, Laura o fez virar a primeira curva à direita, para sair da vista dos outros.
Assim que percebeu que o grupo tinha se afastado do local onde tinham se separado, ela tirou o comunicador da orelha e o jogou fora.
Laura sabia que Leidiane e o pai impediriam que os outros a atrapalhassem. Afinal, ambos sabiam que quando Laura estava empenhada em algo era bom não interromper.
Sendo assim, ninguém perceberia que ela não estava com o comunicador.
Ela começou a procurar grupos de animais, principalmente os noturnos, como corujas e morcegos. Porém, ela não encontrava sinal de animais por ali.
Seus pulmões pareciam ter dificuldades para processar o oxigênio que recebiam. Mas seu instinto dizia que aquele lugar tinha algo de ruim, uma grande ofensa às leis da natureza.
Laura foi se afastando cada vez mais do ponto onde ficava a casa do sargento conhecido de Vitório. Quanto mais longe ela ia, mais pesado o ar ficava.
Então, ela encontrou, em um amontoado de árvores, vários animais de brilhantes olhos vermelhos.
Ela se apresentou e pediu para falar com o líder sábio da região, falando com a alma.
Laura se arrepiou toda quando viu um urubu sair caminhando do meio das árvores, exalando um forte cheiro de podridão.
Aquilo estava errado. urubus não costumavam ser lideres sábios. Animais carniceiros geralmente eram sinal de algo ruim, por sua ligação com os emissários da morte.
Um urubu como líder sábio fez Laura ter certeza de que as coisas naquela região estavam bem erradas.
Ela pensava consigo mesma como a mídia não estava noticiando os fatos estranhos ali. Porém, ela não teve tempo de terminar seu raciocínio, pois foi atacada por vários dos animais que estavam ao redor.
Ela subiu no cavalo, enquanto era perfurada por bicos e garras, saindo em disparada.
O estômago dela estava embrulhado, o cheiro de decomposição era absurdamente forte.
Sem conseguir segurar o jantar, ela vomitou sobre si mesma e sobre o cavalo.
Quando percebeu que não estava sendo seguida, passou a mão nos ferimentos e se deparou com garras e bicos de aves que haviam ficado presos em seu corpo.
Ela vomitou mais uma vez quando percebeu o que aquilo significava. Ela tinha sido atacada por animais podres.
Ela tinha quase certeza que aquela seria sua última noite entre os vivos, porém não imaginou que seria atacada por aves zumbis.
Ela pegou o kit de primeiros socorros que trazia consigo e derramou álcool nas feridas.
Doeu, doeu demais. Ela acabou desmaiando.
Laura foi acordada pelo cavalo que a sacodia com a pata. Ela se levantou. Sentindo o cheiro de azedo, foi procurar um riacho, lago ou o que houvesse para se lavar.
Ela olhou para o relógio, que estava com o visor arranhado. Chegou à conclusão de que ficou desacordada por cerca de quinze minutos.
Ela não montou no cavalo e foi caminhando do lado do animal. Na cabeça de Laura, ficar sentada poderia ser pior.
Depois de meia hora ela achou um pequeno açude e correu até ele para se limpar e para limpar o cavalo.
Enquanto lavava o pelo do cavalo, ela reparou que, do outro lado do açude, havia uma criança de camisola branca sentada com os pés na água, olhando para ela.
Laura achou estranho uma criança sozinha no meio do mato aquela hora, ainda mais uma menina.
Após terminar de limpar o cavalo, Laura contornou o açude. Quando chegou perto da garota, reparou que a pequena tinha consigo um lampião. Tanto ela quanto o lampião não tinham sombra.
Laura lamentou consigo, pois aquele era o espirito de uma criança que não havia encontrado seu caminho e vagava perdida na terra.
Laura se sentou ao lado da garota e se apresentou, falando com sua alma:
- Oi! Eu me chamo Laura! Qual é seu nome?
- Jessica!? – Respondeu a garotinha arregalando os olhos.
- Sabia que eu conheço uma Jessica? Ela é medica! – Falou Laura.
- Você me escuta e me vê? Por que só você? – Questionou a garotinha.
Laura olhou para o céu, imaginando o que a mãe faria naquela situação. Tomou coragem e falou:
- Sabe o que é, eu posso falar com os espíritos! – Falou Laura alegremente.
- Que medo! Eu tenho medo de espírito… – Respondeu a garotinha inocentemente.
- Como eu vou ter medo de espíritos, se os que eu conheço são legais! – Falou Laura, temendo o próximo passo.
- Você conhece espírito legal? – Questionou a criança, com interesse.
- Sim, eu tô falando com uma agora! – Falou Laura.
- Feia! Boba! Chata! Eu não sou espírito, tá! – Gritou a garotinha, mostrando a língua.
Laura se abaixou e beijou a testa da garota, que começou a chorar:
- Por que ninguém mais consegue encostar em mim?! – Reclamou a garota.
- Eu lamento querida, mas é isso, você deve ter morrido e não percebeu… Desculpe, vem no meu colo… – Falou Laura gentilmente.
A garotinha se aconchegou no colo de Laura. Era a segunda vez que Laura tocava em uma alma após esta ter deixado seu corpo. A primeira tinha sido durante o velório da mãe, quando a mesma fez um último afago na cabeça de Laura antes de seguir seu caminho.
Porém, para Laura, ter aquela garotinha em seus braços era mais intenso. Ela sentia como se estivesse segurando o sol, de tão quente que a criança era.
Os minutos foram passando. A lua brilhava, o vento uivava e um carro com forró no último volume se movia ao longe.
Mais alguns minutos se passaram e a garotinha pulou do colo de Laura, gritando:
- Meu lampião, meu lampião! Cobra, cobra!
Laura não entendeu nada, mas viu a garota colocar a mão dentro do vidro do lampião, que se acendeu, emitindo uma luz intensa que lembrava a cor do sol, pois parecia um bege amarelado.
Laura passou a ouvir estranhos silvos, silvos de cobras mortas.
Várias cobras gigantes se aproximaram rapidamente. Porém, quando iam chegando perto elas eram incineradas.
Laura estranhou a reação e olhou ao redor, reparando que o lampião projetava um círculo de luz no chão. Quando as serpentes o tocavam, elas desapareciam.
Depois que as serpentes pararam de aparecer, Laura ouviu disparos e viu balas passando a seu lado.
Ela olhou para a garotinha e falou, animada:
- Puxa Jessica, você tem um poder muito especial.