O sol entrava pela janela, iluminando a escrivaninha, o guarda-roupas e a cama onde uma jovem dormia de costas para a luz, parcialmente coberta por um lençol que deixava sua roupa íntima de cetim verde claro a mostra.
Quando as nove da manhã chegaram, seu despertador de cabeceira começou a trinar. Era um som metálico, já que o aparelho tinha mais de 50 anos.
Sem olhar as horas no despertador, travou o alarme, o colocou de volta na cabeceira da cama e pegou seu oPhone, que estava carregando no criado-mudo, para olhar as horas.
Ela lamentou o último dia de férias e se levantou, pegando um vestido azul e indo tomar um banho, que teve que ser rápido, já que o estado passava por uma crise hídrica nunca vista antes.
Depois de se arrumar no banheiro, desceu até a cozinha para tomar café.
A mãe estava na pia também de vestido. O pai, à mesa, de shorts e regata. Ela se aproximou do pai por trás e deu-lhe um beijo na cabeça desejando bom dia. Repetiu o gesto com a mãe, trocando o beijo na cabeça por um na bochecha.
O pai olhou para a filha e a repreendeu:
- Filha, outra vez? Você já tem 15 anos pra andar sem nada, de roupa íntima, em casa!
A garota se sentou pegou um pão e respondeu:
- Desculpa, tá muito calor… Quando o vovô chegar, eu vou me vestir melhor.
Na verdade você vai ter que se vestir antes. Você vai na padaria buscar farinha e frios para eu fazer a massa da lasanha. Assim você se veste de uma vez. – Falou a mãe.
A garota nem quis retrucar, estava calor de mais para isso. Ela achou que seria mais fresco andar no sol do que entrar em uma discussão.
Ela vestiu um shorts jeans com uma blusinha regata rosa, sem esquecer da lingerie, pois era capaz da mãe fazer uma vistoria antes de ela sair.
Então, depois da vistoria da mãe, ela saiu em direção a padaria, e se arrependeu de não ter entrado em uma discussão. Quando ela estava na metade do caminho, viu o avô vindo de chinelo de dedo, shorts e camisa do Coringas, o time do coração do velho.
Ela correu para abraçá-lo, mas foi recebida com um golpe de jornal na cabeça. Doeu, fazendo a garota levar a mão até o local. Ele deu risada, beijou a testa dela, passou por ela dando outro golpe em seu traseiro, envergonhando-a, e foi embora gritando que se veriam na casa dela.
Mas, para fechar, o senhor passou do lado de um deficiente visual e derrubou a bengala da mão do homem com mais um golpe de jornal, gritando “Bom dia ceguinho!”.
O cego xingou a mãe do velho e começou a procurar a bengala no chão. Stefani correu até ele para ajudar e pediu desculpas em nome do avô. O rapaz deu de ombros e respondeu:
- Não precisa pedir desculpas por ele, ele não pediria. Mas aceito uma ajuda para atravessar a próxima rua.
A garota ficou com uma pontinha de dúvida se aquilo não poderia ter sido uma cantada. Mas, de qualquer forma, a padaria ficava após a tal rua. Então, ela ofereceu o cotovelo para o homem, que segurou, e saíram andando.
Ela ficava sentida quando o avô fazia esse tipo de coisa. Ele era um homem muito bom, mas também era zoeiro em excesso e, às vezes, passava do ponto.
Quando chegaram na frente da padaria ela perguntou para onde ele ia, e ele mostrou um número que correspondia a uma casa logo após a padaria.
Depois de deixá-lo na porta da casa, ela entrou na padaria e avistou o Sr Osvaldo, o dono, um português muito gentil, mas que adorava piadas de sacanagem. Ela pediu a farinha para ele e depois foi buscar os frios no balcão. Indo para o caixa ela sentou um cheiro de queimado, e ouviu o Sr Osvaldo, gritar:
- Ô, gente, é horário de serviço… Deixa pra queimar a rosca depois do expediente!
Alguns homens que bebiam em outro balcão deram altas risadas, enquanto senhoras saiam ruborizadas da padaria.
Em casa, a garota deu os ingredientes para a mãe e foi levar o troco para o pai na sala. Na TV, passava uma reportagem de um assalto a um banco na noite do dia anterior, que terminou com dois dos três assaltantes ficando cegos, por causa de estilhaços de vidro. O terceiro jurava de pés juntos que eles foram atacados por fogo e água mágicos, e que uma mulher de roupas amarelas tinha lhe tirado o ar dos pulmões até ele desmaiar.
O avô da garota começou a rir debochando, chamando o garoto de noinha, e dizendo que essa raça devia morrer.
A história realmente parecia absurda demais para acreditar. Afinal, essas coisas acontecem apenas nos livros, nos quadrinhos e em games, não na vida real, Stefani pensava.
A garota foi dar uma mão para a mãe na cozinha.
E o resto do dia passou sem grandes acontecimentos. Eles almoçaram, os homens foram deitar na sala, e as garotas foram arrumar a cozinha. Depois, Stefani foi com a mãe até o quarto dela, assistiram um filme, e acabaram dormindo.
Elas acordaram assustadas com o o avô de Stefani subindo as escadas aos berros comemorando a vitória do Coringas. A mãe da garota olhou para ela e falou:
- Esse meu pai, parece uma criança!
Stefani concordou e se levantou para ir ao banheiro, e se deparou com o avô no caminho.
Ele deu um tapa forte na bunda da garota gritando para ela acordar. Meio estressada por ter sido acordada daquela forma, ela perdeu o respeito e perguntou:
- Caramba, vô, por que você sempre bate na minha bunda?
- É pra ver se incha, é muito murchinha. –
Falou e passou na frente da neta para entrar no banheiro.
Ela foi para o quarto, irritada com várias coisas feitas pelo avô. Ela estava conferindo a mochila para as aulas do dia seguinte, quando o avô entrou para se despedir. Ela levantou, ainda mal humorada, beijou o avô e tomou outro tapa na bunda. Só que dessa vez a mão não saiu, ela foi até a parte de cima do short e colocou algo para dentro da roupa da garota, deu dois tapinhas de leve na cabeça dela e saiu.
Stefani tirou uma nota de 20 reais e guardou no esconderijo secreto do dinheiro.
Ele sempre fazia isso. Quando via que pisava na bola, dava dinheiro. Pisando na bola outra vez, mas dava o dinheiro.
Então, no fim da noite, ela se deitou da mesma forma que acordou, apenas de lingerie, querendo que aqueles 20 reais do avô pudessem virar o suficiente para comprar um ar condicionado.