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003 - O Almoço

16/04/2024
Por Danilo Sanches Ferrari

As duas ficaram bastante constrangidas com a situação, mas Pâmela realmente sentiu. Ela voltou a olhar para frente e abaixou a cabeça, pedindo para ir para casa, que não queria mais ir almoçar na casa da filha do namorado.

O avô de Stefani, olhou para a neta e perguntou:

- Vocês se conhecem desde quando?

- Nos conhecemos hoje de manhã… Ela me ajudou a me livrar de um tarado no ônibus. – Respondeu Stefani.

O homem se virou para Pâmela e perguntou:

- Ela sabe do seu trabalho?

Um leve aceno de cabeça de Pâmela foi toda a resposta que o homem obteve.

Ele ligou o carro, e seguiu por um caminho diferente que usaria para ir a casa da neta, que pensou que seria o caminho para a casa de Pâmela.

Então o avô entrou no estacionamento de um mercado, parou o carro no lugar mais afastado, e avisou que precisava comprar uma coisa. Saiu do carro deixando as duas sozinhas.

Depois de um minuto de um silêncio constrangedor, Stefani viu Pâmela se virar para trás com lágrimas nos olhos e lhe perguntar:

- Você deve estar com raiva de mim, não é?

- Na verdade, eu não sei… Você me ajudou, é uma garota de programa, e está namorando com meu vô… Mas não é de você que sinto raiva, é dele. – Respondeu Stefani.

A resposta da garota deixou Pamela bastante chocada. Ela perguntou por que Stefani sentia raiva do avô e não dela. Stefani respondeu:

- Não sei se ele te contou, mas ele traiu minha avô. E agora está namorando uma garota de programa… Acho que ele é um safado.

Pâmela encarou a garota e questionou:

- E eu não sou safada?

- Você escolheu trabalhar com isso, não tem que ser fiel a ninguém! Meu avô tinha, e trocou por sexo! Como você se sente sabendo que ele só te quer por causa da sua experiência? – Rebateu Stefani.

Pâmela foi pega de surpresa, mais uma vez. A garota não parecia mentir, e a forma como Stafani a tinha questionado sobro o motivo pelo qual o avô estava namorando com ela, fez ela perceber um rancor guardado na garota, e resolveu explorar:

- Por que essa raiva? Ele é seu avô!

- Pode até ser, mas é um safado mulherengo, que dá em cima da própria neta! – Stefani tremia enquanto falava.

- Como assim? Dá em cima de você?

- Ele vive me dando tapinhas na bunda e vez ou outra um apertãozinho no peito. O que você acha que ele quer? – Disparou Stefani.

O senhor abriu a porta do carro, e quando fechou, Pâmela disparou na direção do namorado:

- Você fica bolinando sua neta?

O homem olhou para as duas e respondeu:

- Ok, já vi que me ferrei. Mas todo tapa ou apalpada, sempre foi com o objetivo de brincar.

Mas depois de domingo, e de agora, acho que não era engraçado.

- Só agora você percebeu? – Questionou a garota.

- Você nunca tinha mostrado tanta raiva disso, então achei que você também levava na brincadeira, mas me enganei.

Um novo silêncio tomou conta do carro, até que

o velho falou:

- O lado bom disso é que vocês não brigaram entre si, e direcionaram a raiva para mim. Agora, Stefani, me faz um favor, não fala para os seus pais sobre o trabalho da Pâmela. Ela já esta dispensando os clientes, só faltam cinco para ela encaminhar para outras garotas.

Stefani sentiu um chacoalhão, pois voltou com muita força a realidade de que iria haver um almoço, onde estariam ela, os pais, o avô e Pâmela. Isso não tinha como terminar bem.

Pâmela concordava, pois falou sem rodeios:

- Não, hoje não. A Stefani tem que digerir isso e eu também. Não tem clima para esse almoço hoje.

O homem se incomodou, dizendo que podiam facilmente contornar com uma desculpa qualquer.

Pâmela rebateu dizendo que seria impossível, já que Stefani sabia e não conseguiria disfarçar por muito tempo.

Os dois ficaram trocando argumentos, até que Stefani interveio:

- Vamos fazer assim, eu adianto pros meus pais sobre a Pâmela, quando vocês puderem ir eu aviso por mensagem.

Os dois pararam a discussão, chocados. Afinal, nenhum dos dois pretendia contar a verdade.

Os três se olharam, pensaram, e entraram em um consenso de acenos de cabeça. Talvez fosse a melhor solução.

Stefani foi deixada na porta de casa e entrou, indo direto para a cozinha, onde a mãe já tinha colocado a mesa e o pai tomava um suco.

Os três se cumprimentaram. O pai percebeu a expressão estranha da filha e perguntou como tinha sido o dia. Ela contou do incidente no ônibus e como foi salva por uma garota de programa.

O pai ficou revoltado, dizendo que a esposa iria tirar carta de motorista o mais rápido possível.

Stefani contou da agitação na escola e sobre Viviane estar muito magra. A mãe da garota ficou preocupada pela saúde da menina. E só aí eles se tocaram que Stefani não tinha entrado com o avô e a questionaram a respeito. Ela respondeu:

- Ele foi com a Pâmela comprar uma coisa, já já eles vêm.

- Então esse é o nome da namorada dele? O que você achou dela? – Questionou a mãe.
Stefani engoliu em saco, pois era a hora:

- Ah, não conheço ela direito, mas ela parece ser legal, até me salvou do tarado de manhã, sem me conhecer.

A cozinha ficou quieta por alguns segundos até que a bomba fizesse sentido, a mãe de Stefani se sentou na cadeira, chocada. O pai questionou repreendendo:

- Filha! Você tá xingando a namorada do seu avô?

- Não, ela é a garota de programa que me ajudou de manhã. – Stefani terminou a frase apoiando a cabeça nas mãos. O pai da garota se levantou dizendo:

- Êêêêê, seu Augusto… Sempre surpreendendo.

A mãe, enxugando algumas lágrimas, perguntou se o avô da garota sabia, e ela confirmou, o que deixou a mulher mais abalada. Stefani, na tentativa de contornar, falou que o avô disse que ela já estava encaminhando os clientes para outras garotas. Que agora faltavam só cinco para ela se livrar.

Isso pareceu deixar a mãe da garota um pouco mais animada. Stefani também explicou que Pâmela não queria vir, já que a garota sabia e poderia ter dificuldades em guardar o segredo.

E depois contou a conversa com Pâmela, quando as duas estavam sozinhas no carro, e a forma como ela havia dado uma bronca no próprio namorado.

A mulher se levantou, foi até o filtro, encheu um copo de água e bebeu de uma única vez. Respirou e falou:

- Por que meu pai resolveu namorar uma mulher da vida? O que ela faz que minha mãe não fazia?

O pai de Stefani ficou vermelho e virou a cabeça para o lado oposto ao da esposa, que não parou de falar:

- Por que ele fez isso? Como a mamãe vai ficar?

O pai de Stefani, tentando mudar o foco, perguntou:

- Mas amor, será que não foi essa mulher que seduziu seu pai, ou está se aproveitando?

A mulher se virou lentamente, encarou o marido, e respondeu:

- Meu pai nunca foi de ser manipulado, mesmo quando eu era criança eu não conseguia enrolar ele com a minha fofura. Ela só está com ele por que ele também quer, do contrário, ele preferiria pagar por cada transa.

Isso colocou um ponto final na atribuição de culpa. Percebendo isso, Stefani questionou se podia chamar os dois para vir. Os pais da garota se olharam e disseram que era melhor que isso acontecesse logo. Esperar só poderia causar mais dor.

O senhor Augusto entrou na cozinha com o braço em volta da cintura de Pamela e a apresentou.

Os país de Stefani ficaram surpresos, pois já haviam visto Pâmela trabalhando em um dos caixas do mercado de Augusto, que confirmou ser ela.

O pai de Stefani tentava disfarçar o constrangimento, mas a mãe da menina não. Ela perguntou há quanto tempo o namoro era sério.

Augusto respondeu que há dois meses Pâmela havia aceitado namorar com ele e largar os clientes.

Pâmela ficou constrangida e logo foi dizendo que fazia exames periódicos e não tinha nenhuma doença.

A mãe de Stefani não parava de encarar a mulher. Então ela perguntou por que ela tinha escolhido esse trabalho. Pâmela abaixou a cabeça e respondeu:

- Pelo dinheiro. Meus pais tomam remédios muito caros. A aposentadoria deles e um emprego comum não davam conta de colocar comida e remédios em casa.

- Por que vocês não recorrem ao governo? – Perguntou a mãe de Stefani.

- Já tentamos, mas não conseguimos.

- Seus pais sabem do seu trabalho? – Voltou a perguntar a mãe da garota.

- Não! Não podem saber, por favor!

A mãe de Stefani viu medo, vergonha e carinho nos olhos de Pâmela, e disse que não iria contar nada, já que ela estava largando essa profissão. Então se virou para o pai e perguntou:

- Minha mãe sabe sobre a Pâmela?

- Sim, contei pra ela, inclusive do trabalho. – Respondeu o avô de Stefani.

A mãe de Stefani estendeu a mão na frente do rosto do marido, que logo entendeu e deu o celular para ela, que discou alguns números e colocou o aparelho na mesa, já no viva-voz, e fez sinal de silêncio para todos:

- Alô? – Falou a voz de uma senhora animada.

- Mãe, é a Estela. – Falou a mãe de Stefani.

- Filha! Como vai!

- Bem, mãe. Mas a senhora sabe que o papai está namorando? – Perguntou Estela.

- Sim, por que?

- Você sabe da profissão dela? – Voltou a perguntar Estela, sem rodeio algum.

O aparelho ficou mudo, por uns instantes, e a senhora de repente falou:

- Aaa… Ele não conseguiu esconder de você… Palmas para ele.

- Então você sabe… – Estela ficou chocada.

- Não se preocupa, ela vai ter muita dor de cabeça com ele! Ele até pode ser bom de cama, mas dá um trabalho! – Falou a senhora deixando todos ali constrangidos.

- Informação demais, vovó! – Gritou Stefani.

Outros instantes de silencio e, de novo, a senhora recomeçou:

- Hahaha! Os dois estão aí! Por isso tá no viva-voz! Querida, ele pode até dar conta de você, mas dá trabalho na mesma proporção. E, aliás, deixa eu ir que daqui a pouco começa a sessão do filme no cinema, tchau!

Todos estavam constrangidos, menos Augusto, que sorria como uma criança que acabou de ganhar um brinquedo novo. Dando risada, Estela falou “Vamos almoçar”.

Durante a refeição, o trabalho de Pâmela deixou de ser o assunto, partindo para coisas mais amenas.

Um helicóptero começou a sobrevoar a região, mas inicialmente ninguém deu bola. Até que Stefani escutou um barulho de passos e algo caindo no quarto dela. Ela se levantou, falando o que tinha ouvido e subindo as escadas como um tiro, seguida de perto pelo avô o e pelo pai.

As mulheres demoraram um pouco mais para se levantar.

Quando a garota abriu a porta do quarto, viu uma mulher muito bonita, branca, que tinha um rosto de boneca, longos cabelos azul piscina, trajando uma saia rodada azul com babado branco, uma peça azul, no formato dos seios medianos, que parecia estar costurada a um maiô de ginástica, também azul. Nas alças do maio haviam costuradas mangas azuis de babado branco, que eram bem largas. Para fechar, usava botas azuis.

Quando Stefani fez menção de gritar, sua cabeça foi envolta por uma esfera de água que saiu da mão direita da mulher, que falou calma e assustadoramente:

- Calma garota… Você não é um bandido… Só não grite, não quero te machucar.

O avô e o pai da garota ficaram parados sem saber o que fazer, e a mulher de azul falou para eles e para as mulheres, que haviam acabado de chegar, ficarem quietos também.

Lentamente ela liberou o nariz de Stefani que deu uma inspirada bem forte no ar. A mulher continuou a retirar a bolha, até não restar mais nada.

Stefani caiu sentada na cama, amparada pela mãe e por Pamela, enquanto o pai e o avô entravam na frente das mulheres para protegê-las.

Augusto, sem fazer muita cena, perguntou se ela tinha sido uma das pessoas que havia atacado aqueles assaltantes no último sábado. Ela respondeu que sim, e explicou que ela e as companheiras estavam tentando interceptar um caminhão que transportava drogas, quando a polícia apareceu e saiu em perseguição a elas, deixando o caminhão escapar.

A mulher voltou o olhar para a janela, tentando imaginar se era o melhor momento para sair.

Então Augusto foi silenciosamente até a janela e colocou a cabeça para fora. Não viu nenhum helicóptero:

- Por que você fez isso? – Perguntou a mulher de azul.

- Pelo jeito você só quer se esconder… Só me faça um favor, da próxima vez que quiser impedir que alguém grite, só tape a boca.

A mulher deu de ombros dizendo que iria se lembrar do conselho, e pulou do chão na escrivaninha, da escrivaninha para a janela, da janela para a árvore, e da árvore, por cima do muro.

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